O aborto na América e o analfabetismo midiático

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Na última semana, muito se comentou sobre a decisão da Suprema Corte Americana de anular Roe x Wade. A decisão foi estabelecida pelo entendimento de ilegalidade do aborto após 15 semanas de gestação no Mississippi. Imediatamente, os veículos de comunicação repercutiram erroneamente que a decisão torna ilegal a prática abortiva em território americano.

Roe x Wade

O caso transcorreu entre 1969 e 1973, quando Jane Roe, grávida de seu terceiro filho, demandou o direito de abortar nas cortes texanas. Henry Wade – o promotor público do Condado de Dallas, representou o estado do Texas contra o aborto, originando-se então Roe x Wade. Jane não obteve sucesso nas cortes texanas, mas seu caso chegou à Suprema Corte. Lá, o argumento acatado era de que a proibição do procedimento violava o direito constitucional à privacidade. Portanto, o entendimento estabelecido era de constitucionalidade na interrupção da gravidez.

A decisão da Suprema Corte

O parecer da última semana anulou o entendimento de Roe x Wade. Preto no branco, a decisão rejeitou o procedimento abortivo como um direito constitucional. Consequentemente, a tarefa de legislar sobre o tema tornou-se responsabilidade dos Estados da federação. Em outras palavras, cada Estado tem a liberdade de estabelecer suas próprias leis sobre o procedimento.

A imprensa

A mídia militante logo deu destaque ao novo entendimento como a proibição federal do aborto. O portal UOL, por exemplo, afirmou que a decisão “acabou efetivamente com o direito constitucional ao aborto para milhões de americanas”. O jornal Folha de São Paulo foi além, afirmando que a decisão visa “punir as mulheres com base em leis já existentes, como conspirar para cometer um assassinato. Como a decisão da Suprema Corte deixa em aberto quando a vida começa, estados poderiam considerar o feto um ser humano e, assim, equiparar o aborto a um homicídio”. Já a revista Veja afirmou que “com o avanço do movimento antiaborto, tirar a questão do limbo e promover um debate racional sobre o direito da mulher de optar por interromper a gravidez é urgente — mas, infelizmente, ainda ruidoso em tempos de populistas conservadores em alta”.

Antes mesmo de entender o que se passou, os iluminados jornalistas versaram sobre a imoralidade, retrocesso e irrealidade da questão. Não consideraram, por exemplo, que Califórnia e Colorado já encaminharam propostas para institucionalizar o aborto perinatal, ou seja, o aborto pós-parto. Sequer atentaram para a possibilidade do procedimento ser legalizado em Estados antes proibitivos. Não, o importante foi bradar argumentos estúpidos e interpretações psicóticas. O ofício de informar padece no jornalismo contemporâneo.

MARCOS PAULO CANDELORO

Marcos Paulo Candeloro é historiador e cientista político.

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